Flexibilização das regras trabalhistas no período do estado de calamidade pública decorrente do novo coronavírus
Diante da pandemia de Covid-19, que já afeta todos os estados brasileiros, o Congresso Nacional aprovou o pedido de reconhecimento de calamidade pública enviado pelo Governo Federal. O Decreto Legislativo nº 06 de 2020 reconhece o estado de calamidade pública e entrou em vigor dia 20/03/2020, data em que foi publicado no Diário Oficial da União.
No dia 22/03/2020 foi publicada a Medida Provisória nº 927, que dispõe sobre uma série de medidas trabalhistas voltadas ao enfrentamento do estado de calamidade pública, bem como da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19).
É incontroverso que a saúde pública é, sem dúvidas, a esfera mais afetada pela pandemia instalada no país. Contudo, empregados e empregadores também serão demasiadamente atingidos e, desde já, vêm sofrendo os efeitos negativos decorrentes dessa crise sanitária e econômica.
Durante o estado de calamidade, empregado e empregador poderão celebrar acordo individual escrito visando garantir a permanência do vínculo empregatício. Tais acordos individuais terão superioridade sobre o disposto em lei ou negociações coletivas, respeitando sempre os limites da Constituição Federal.
Portanto, no intuito de preservar os empregos, a Medida Provisória em comento autorizou que os acordos individuais firmados entre empregadores e empregados disponham sobre os seguintes temas:
• Teletrabalho
• Antecipação das férias individuais
• Concessão de férias coletivas
• Aproveitamento e antecipação de feriados
• Banco de horas
• Suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho
• Adiamento do FGTS
Dentre os diversos assuntos abordados pela Medida Provisória nº 927, os primeiros temas discutidos neste artigo serão o teletrabalho, antecipação das férias individuais e concessão de férias coletivas.
TELETRABALHO:
O teletrabalho foi incluído pela lei 13.467/2017 (reforma trabalhista) e está regulamentado pelos artigos 75-A e seguintes da CLT.
O conceito de teletrabalho está no art. 75-B, da CLT, que assim dispõe: considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.
Visando assegurar a saúde do trabalhador, a Medida Provisória permitiu a alteração do regime de trabalho presencial para o teletrabalho, desde que algumas exigências sejam cumpridas, são elas:
• Notificação do empresado, por escrito ou por meio eletrônico, com antecedência mínima de 48 horas.
• Celebração de contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de 30 dias, contado da data da mudança do regime de trabalho, prevendo sobre a responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária, bem como sobre o reembolso de despesas arcadas pelo empregado.
Por fim, a Medida Provisória dispõe que nos casos em que o trabalhador não possua os equipamentos necessários para trabalhar em teletrabalho, o empregador poderá fornecer os equipamentos e arcar com os custos de infraestrutura.
Caso o empregador não possa fornecer os equipamentos, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador.
ANTECIPAÇÃO DE FÉRIAS INDIVIDUAIS:
A Medida Provisória dispõe que para enfrentar os efeitos econômicos decorrentes da calamidade pública e preservar o emprego e a renda dos trabalhadores, os empregadores poderão:
1. Antecipar as férias individuais cujo período aquisitivo ainda não tenha sido inteiramente alcançado
Para antecipar as férias individuas, ou seja, conceder férias ao empregado sem o cumprimento integral do período aquisitivo, é indispensável que se observe alguns requisitos, são eles:
• Notificação do empregado, por escrito ou por meio eletrônico, com prazo de antecedência mínima de 48 horas, e com a indicação do período de férias a ser gozado.
• As férias precisam ter tempo de duração de no mínimo 05 (cinco) dias corridos. Importante ressaltar que a época da concessão das férias será a que melhor atender os interesses do empregador, ou seja, a decisão do momento para conceder as férias é do empregador e não do empregado.
Ainda sobre as férias individuais, a Medida Provisória também autorizou que, durante o estado de calamidade, o empregador suspenda as férias ou licenças não remuneradas dos profissionais da área da saúde ou daqueles que desenvolvem atividades essenciais, desde que:
• Haja a comunicação formal, por escrito ou por meio eletrônico, preferencialmente com antecedência de 48 (quarenta e oito) horas.
2. Negociar com o trabalhador a antecipação de períodos aquisitivos futuros de férias
Excepcionalmente, dada a previsão da Medida provisória, agora também é possível que empregado e empregador negociem a antecipação de períodos aquisitivos futuros de férias. Entretanto, tal antecipação só pode ser feita mediante acordo individual escrito.
3. Remuneração das férias
A Medida Provisória também previu algumas alterações referentes a remuneração das férias:
• A remuneração das férias poderá ser efetuada até o quinto dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias.
• O acréscimo de 1/3 constitucional poderá ser pago após a concessão das férias, tendo o empregador até a data em que é devido o pagamento do 13º salário para efetuar o pagamento de tal verba.
4. Quadro comparativo das férias individuais
Para melhor visualização e compreensão das alterações realizadas pela Medida Provisória em relação as férias individuais, segue quadro comparativo entre a regulamentação das férias pela CLT e as alterações implantadas no período de calamidade pública (MP 927,2020).
CONCESSÃO DE FÉRIAS COLETIVAS
No que diz respeito as férias coletivas, a Medida Provisória também implantou tal possibilidade, simplificando as formalidades exigidas para a sua concessão. Desse modo, faz-se necessária apenas a notificação prévia dos empregados que gozarão das férias, no prazo mínimo de 48 horas. Com a simplificação da concessão de férias coletivas:
• Não há limitação do período de duração das férias
• É desnecessário que o empregador faça a comunicação prévia ao órgão local do Ministério da Economia e aos sindicatos representativos da categoria profissional.
QUESTIONAMENTO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 927
Em 23/03/2020, um dia após a publicação da Medida Provisória nº 927, o Partido Democrático Trabalhista ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade questionando a constitucionalidade de diversos artigos da MP. Os principais fundamentos expostos pelo requerente são:
• As materiais regulamentadas pela MP são reservadas a Lei Complementar.
• Houve ofensa a dignidade da pessoa humana do trabalhador, a cidadania e o Estado Democrático de Direito.
• As medidas que poderão ser adotadas pelos empregadores colocarão à subsistência dos trabalhadores em risco. Ao analisar o pedido liminar da Ação, o i. Ministro Marco Aurélio reconheceu a excepcionalidade do momento vivenciado por todos os cidadãos, ante a pandemia que assola o País, e decidiu por negar o pedido liminar, dispondo que:
"Sob o ângulo do vício formal, não se tem como potencializar, principalmente em época de crise, partindo para presunção de ofensa, a cidadania, a dignidade humana, o Estado Democrático de Direito. São institutos abstratos, encerrando verdadeiros princípios. Também não se tem como assentar a impossibilidade de o Chefe do Executivo Nacional atuar, provisoriamente e ficando ato que pratique submetido a condição resolutiva, considerado crivo do Congresso, no campo trabalhista e da saúde no trabalho. A alegação de vício formal não se faz suficiente ao implemento da tutela de urgência”.
Sobre o questionamento específico da inconstitucionalidade da previsão de forma de pagamento das férias, cabe trazer trecho do voto do i. Ministro:
"No artigo 8º, consta disciplina alusiva à concessão de férias durante o estado de calamidade pública, prevendo-se que a satisfação do adicional de um terço poderá ocorrer até a data na qual devida a gratificação natalina. Tem-se disposição legal, voltada a fazer frente às consequências da calamidade, que objetiva, sopesados valores, viabilizar a continuidade do vínculo empregatício, mitigando ônus. A norma contida no inciso XVII do artigo 7º da Constituição Federal – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais considerado o salário normal – direciona ao reconhecimento de período visando a recuperação de forças pelo prestador dos serviços. Diante de situação excepcional verificada no País, não se afastou o direito às férias, tampouco o gozo destas de forma remunerada e com o adicional de um terço.Apenas houve, com o intuito de equilibrar o setor econômico-financeiro, projeção do pagamento do adicional, mesmo assim impondose limite – a data da satisfação da gratificação natalina. O parágrafo único rege a conversão do terço das férias em abono pecuniário. A teor da legislação vigente, o fenômeno depende da concordância do empregador. De qualquer forma, no que concerne a essa conversão, a ocorrer mediante provocação do empregado, apenas se projetou a satisfação para a data referida na cabeça do artigo".
CONCLUSÃO
Diante de todo o acima narrado, conclui-se que neste momento tão sensível e cheio de inseguranças, antes de deparar-se com a eventual necessidade de demitir o trabalhador, o empregador pode optar por tomar medidas menos gravosas e prejudiciais, que valorizem a continuação do vínculo empregatício, como adotar o teletrabalho, antecipar as férias individuais e conceder férias coletivas, sendo que, nessas hipóteses, não haverão maiores prejuízos ao trabalhador.
Ana Vitória Pires advogada | Oliveira & Sampaio Advocacia